O meio é a mensagem

Todos sabemos que quem disse a frase acima foi Marshall McLuhan.

E procurando no Google, achei uma explicação interessante para ela:

Enquanto suporte material da comunicação, o meio tende a ser definido como transparente, inócuo, incapaz de determinar positivamente os conteúdos comunicativos que veícula. A sua única incidência no processo comunicativo seria negativa, causa possível de ruído ou obstrução na veículação da mensagem. Pelo contrário, McLuhan chama a atenção para o facto de uma mensagem proferida oralmenteou por escrito, transmitida pela rádio ou pela televisão, pôr em jogo, em cada caso, diferentes estruturas perceptivas, desencadear diferentes mecanismos de compreensão, ganhar diferentes contornos e tonalidades, em limite, adquirir diferentes significados. Por outras palavras, para McLuhan, o meio, o canal, a tecnologia em que a comunicação se estabelece, não apenas constitui a forma comunicativa, mas determina o próprio conteúdo dacomunicação. Olga Pombo


Isso ainda (é de 1960, se não me engano) se encaixa perfeitamente no que estamos vivenciando com blogs, wikis, etc…

E ainda sobre o McLuhan, achei ainda um outro texto, antigo (1997) do professor Nicolau Sevcenko, a quem admiro bastante, que é longo, mas vale ser lido:

McLuhan assombra o Rei

NICOLAU SEVCENKO
especial para a Folha

”Só a mão que apaga pode escrever a coisa certa.” O ditado certeiro é de Mestre Eckhardt, místico e visionário medieval. Ele é uma das fontes inspiradoras dessa outra fonte inesgotável de visões, o não menos célebre professor Marshall McLuhan. Ele foi também um mestre em matérias impalpáveis. Uma das suas conclusões mais perturbadoras é justamente sobre esse tema. ”Em experimentos nos quais todas as sensações externas são bloqueadas, o paciente desencadeia um furioso processo de preenchimento ou substituição dos sentidos, que é a alucinação em forma pura. Do mesmo modo, a excitação de um único sentido tende a provocar um efeito de hipnose, equivalente à maneira como a privação de todos os sentidos tende a produzir visões.”
Seria curioso se não fosse incômodo. Afinal, o paciente a que se refere o venerando professor não é um psicótico internado em algum asilo de alienados, mas uma pessoa como eu ou você, considerada em condições tão prosaicas como assistindo televisão ou lendo jornal. Desagradável, não? Mas tem mais. Ele afirmava que a dimensão invisível era a mais relevante para a percepção e compreensão das coisas. E nisso se baseava em outro mestre eminente, Lao-Tsé. ”Trinta radiais se tornam um graças aos buracos no centro de uma roda e, graças ao vazio que há entre eles, ela pode rolar. A possibilidade de se usar argila para moldar vasos se deve ao oco da sua ausência. As portas e janelas, numa casa, são úteis pelo vão que abrem. Assim, só o que não é nos permite dispor do que é.”
Essa sua perversa preferência pelo imaterial, o fluido e o instável deu ao professor uma má reputação. Ele próprio a reconhecia, não sem certo orgulho. ”O poeta, o artista, o detetive _quem quer que afie nossa percepção tende a ser anti-social. Raramente será ‘bem ajustado’, pois não se dispõe a acompanhar correntes e tendências. Uma ligação estranha existe em geral entre tipos anti-sociais, dada a sua capacidade de perceber o mundo ao seu redor como ele realmente é. Essa necessidade de buscar interfaces, de confrontar o ambiente circundante com um vigor anti-social está demonstrada na famosa história ‘As Roupas Novas do Imperador’.” O professor, portanto, se via como aquele garotinho impertinente que estragou a pompa e circunstância da festa de coroação de Sua Alteza Suprema gritando: ”Olha, o rei tá pelado!”.
Curiosa condição de anti-social, no entanto. Desde a publicação de seu ”Compreendendo a Mídia”, em 1964, McLuhan foi instantaneamente catapultado de sua discreta posição de professor de literatura inglesa na Universidade de Toronto para o centro do palco das celebridades da cultura pop.
Expressões cunhadas por ele, como ”aldeia global”, ”galáxia de Gutenberg” ou ”era da informação” se tornaram voz corrente em todo o mundo e seu próprio nome se transformou em conceito analítico, entrando para várias línguas em variantes exóticas como ”macluhanizado”, ”macluhânico” e ”macluhanático”.
Como pode ser? Ele não era um esquisitão, falando de um assunto complicado, de um modo desconfortável? Sem dúvida. Mas tocou numa corda sensível a todos naquele momento. Ele insistia em que a era da cultura escrita havia passado e que era urgente compreender a natureza, as características e efeitos das novas formas de comunicação baseadas nas tecnologias eletro-eletrônicas, nas quais todos estavam integral e irremediavelmente imersos desde então.
Sua recepção entusiástica pelos grandes meios de comunicação decorria de uma compreensão distorcida de suas teorias, que acabou se tornando um clichê infelizmente associado ao seu nome, o de que ele estava perpetrando a celebração pura e simples da cultura de massas e das convenções do cenário pop. Ironicamente, o moleque anti-social foi retratado como o Professor Descolado. Vestiram nele as roupas que ele havia tirado do Imperador.
A vingança de McLuhan veio na forma do seu livro-poema-produção- visual-performance gráfica-multiautoral de 67, ”O Meio É a Massagem”. A obra punha em prática as teorias anunciadas no livro anterior. Textos curtos, citações, imagens, cartuns, fotos, close-ups, referências publicitárias, propaganda política, ilustrações clássicas, documentos etnográficos, fotogramas, artes gráficas, fotomontagens, tudo fundido e integrado numa complexa rede de significados cruzados e mensagem política radical inequívoca. Um fluxo contínuo de fragmentos de diferentes processos comunicativos, numa composição sem sentido seqüencial, cuja conexão só pode ocorrer fora da obra, a partir de um envolvimento perceptivo e intelectual profundo por parte do leitor e co-autor.
Essa produção, sendo muito mais difícil de compreender que a anterior, era, por isso mesmo, bem mais difícil de apropriar. Mais do que à interpretação ou assimilação, ela convidava à cumplicidade. E quem é que, sentindo o pulso dos anos 60, não se acumpliciaria de um livro que invocava como fontes seminais, dentre muitas outras, a Alice de Lewis Carroll, Marilyn Monroe, Nico do Velvet Underground, James Joyce e um xamã africano. Sob a guia de figuras tutelares como essas, o desafio de penetrar os meandros desorientadores da sabedoria de McLuhan se tornava uma vertigem irresistível.
Isso fez com que existissem pelo menos dois McLuhans, o professor, que a grande mídia elegeu como seu herói legitimador, e o anarquista, que os jovens rebeldes projetaram como o arauto de uma nova sensibilidade, espontânea e solidária, nascida da implosão centrípeta com que as novas tecnologias dissiparam o centralismo autoritário do edifício gutenberguiano.
Tornado assim um dos pivôs do debate político e cultural daquele momento conturbado, suas idéias foram sendo dilapidadas e dissolvidas em vulgatas e simplificações ideológicas, que empobreceram em vez de destacar sua admirável originalidade. De fato, McLuhan reconhecia a dívida intelectual que tinha com Harold Innis, historiador econômico e seu colega na Universidade de Toronto. Innis, que fora aluno de Thorstein Veblen, em Chicago, desenvolvera estudos demonstrando como a tecnologia de comunicação de uma determinada sociedade era o elemento decisivo para o estabelecimento do seu sistema de poder e da sua estrutura social.
McLuhan partiu daí para refinar o argumento, avaliando como as técnicas dominantes de comunicação afetam e acabam modelando o aparato perceptivo, sensorial, psicológico e cultural de toda uma sociedade. ”Os homens”, dizia ele, ”criam as ferramentas, e as ferramentas, por sua vez, recriam os homens”. ”Os recursos com os quais se difundem as palavras são mais relevantes do que as próprias palavras.” Daí porque ”o meio é a mensagem”.
Se Innis havia introduzido a comunicação no estudo da história, McLuhan introduziu a história da comunicação no estudo das mudanças culturais. O resultado foi dramático, rompendo a visão de um processo linear progressivo, substituído pelo estudo comparativo dos diferentes sistemas de relações entre as formas de percepção sensorial, predominantes em vários momentos e em distintas sociedades.
Em tempos arcaicos, por exemplo, a cultura oral estabelecia um ambiente de predominância acústica, definindo uma sociedade em que todas as relações eram simultâneas e agregadas em instantes que se volatilizavam no fluxo do tempo. A introdução da escrita, mecanizada depois pelos tipos móveis de Gutenberg, consolidou uma cultura centrada na visão e assentada sobre o primado da sucessão linear encadeada, em função de valores abstratos, individuais, hierárquicos e cumulativos.
O recente advento das técnicas eletro-eletrônicas reformulou esse contexto, repondo a simultaneidade, a descontinuidade, a interatividade de fragmentos autônomos e a tendência à conectividade tátil do conjunto. O que explica a surpreendente sensualidade das ”assemblages” criadas nas páginas de ” O Meio É a Massagem”. Closes de mãos, pés, braços, olhos, orelhas, narizes, corpos nus, contatos, muita pele e pêlo.
A produção vai se desdobrando pelas sugestões visuais, táteis, ruidosas, até as insinuações gustativas da estranha gema de ovo com logotipo, ou olfativa, do cavalheiro assaltado por um dedão do pé no nariz. É uma nova coreografia sensorial, sintonizada com a dança das ondas elétricas. Não é de se admirar, portanto, que, embora seja um dos autores menos citados hoje em dia nos meios acadêmicos, ele esteja na raiz dos mais sofisticados projetos de pesquisa em novas tecnologias, percepção sensorial, psicologia social e estudos culturais. Além de ter lançado as bases da recente revolução da teoria bicameral em neurofisiologia.
McLuhan morreu em 1980, antes de poder contemplar o impacto da microeletrônica, intimamente afinada com seus prognósticos. Seria um prêmio à sua ousadia, pois seu apelo era para que os agentes sociais se apropriassem das novas tecnologias, ao vez de serem dragados por elas. Daí a veneração com que é tido dentre os grupos criativos associados a produções como as revistas ”Wired”, ”Mondo 2000” e ”Ray Gun”.
Se ainda estivesse dentre nós, ele talvez nos desse uma nova produção, ”O Chip É a Massagem”. O fato, no entanto, é que, 30 anos depois, ainda há uma enorme relutância em lidar com suas idéias.
Como ele dizia, comentando as reações dos contemporâneos ao seu pensamento: ”Nós olhamos o presente pelo espelho retrovisor. Adentramos o futuro marchando para trás”. Por isso, prevalece ”a História tal como nos é arengada: palavras rituais numa sequência rotinizada”. Acorda, McLuhan, venha assombrar o ”Rei”!


4 respostas para “O meio é a mensagem”

  1. simplesmente genial….tudo que está escrito aqui,estou repondendo a um questionario da faculdade e me ajudou muito,se pudesse me enviar mais algumacoisa sobre McLuhan,ficaria grata.

  2. Muito bom o texto do Sevcenko. Ele tem razão, McLuhan foi um profeta midiático mal compreendido. Gostaria de entrever para o futuro alguma coisa assim… haha… x)

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