Não adianta assobiar
Por José Sarney
REPITO, o desenvolvimento tem três aspectos: o econômico, o social e o político. É neste que reside o perigo brasileiro.
A política é a arte do bem comum, do governo e, como já pensava Voltaire, a política maior consiste em ser virtuoso. Mas à política foi aplicada a arte da guerra. A democracia busca harmonizar opiniões para fazer o melhor governo. Mas Lênin pregou e espalhou por todo lado que se deve fazer política como se faz a guerra, para exterminar o adversário, acabar com ele e eliminar todos os meios que lhe permitam renascer. Daí a irracionalidade e a passionalidade em alguns temas, que são discutidos como se não fossem idéias, mas pessoas.
Na CPMF deu-se justamente a evidência destes pontos: o subdesenvolvimento político, a natureza apaixonada e pessoal do debate, a crônica falta de funcionamento e de idéias programáticas dos partidos e a desorganização da instituição parlamentar. O tema não é político, é de Estado. Não é saber quem vai vencer ou perder a rixa política, é examinar o que o tema representa.
Quando a CPMF foi criada, foi levantada a tese de sua má qualidade. Esse debate ficou em aberto. Daí as palavras “provisória” e “contribuição”, esta para disfarçar que era imposto e para não entrar na cesta de distribuição com os Estados.
O certo é que, com os anos, a aplicação desse imposto foi de boa qualidade. Tem sido uma grande arma, que evitou, a partir de 2001, que fossem sonegados R$ 6 bilhões anuais. Depois, 72% dele são pagos por empresas. Apenas 17% são pagos por quem ganha mais de R$ 100 mil. A metade da população mais pobre contribui com apenas 1,8%.
Ele é empregado em Bolsa Família, aposentadoria rural, saúde. Outro aspecto bom é que ele corrige as desigualdades regionais. O Norte e Nordeste, por exemplo, arrecadam 24% e recebem 42%. É uma transferência de renda. Mas a oposição não quis ouvir nada, porque, como se diz no Nordeste, quando boi não quer beber, não adianta assoviar.
Derrubá-lo, sumariamente, sem um plano de substituição, é insensatez. Não se acaba assim com a carga fiscal. Se bastasse, poderíamos derrubar vários tributos, que já somam 76.
Depois da Constituição de 88, não há como evitar o crescimento da carga tributária. Mais encargos, mais impostos. No meu tempo de presidente, era de 24%, hoje é de 38%. E agora? O governo vai ter de buscar dinheiro onde ele estiver. E sempre estará no bolso do povo.
Se a queda da CPMF foi para criar problemas de governabilidade, o objetivo foi atingido. Resta saber qual a parte que restou ao povo “neste latifúndio”, como no verso de João Cabral de Melo Neto.
Não gosto do Sarney, mas ele tem razão nesse texto.
E ai, volta a pergunta, que relevância tem o senado federal para o país?
2 respostas para “Para que serve o senado?”
A CPMF não estava sendo usada pro seu fim – saúde – era imposto cobrado milhares de vezes – descontado do salário, quando a gente gasta, quando a gente compra… As empresas repassavam esse custo pro povo, vocês que não percebiam…
Eu acho que foi uma vitória da população, também.
Sem dúvida, foi uma vitória da população. Isso sem contar com o que Carla falou, a cpmf vem embutida naquilo que a gente compra, nos juros que a gente paga, enfim. Ainda bem que acabou. O Governo deveria, no mínimo, deixar de pagar religiosamente as dívidas externa e interna. Fazendo isso, dá pra sustentar o país tranquilamente.
Sarney tem uma boa parcela de culpa no Brasil de hoje. Ele e todos que estão mandando e desmandando no país há 40, 35, 30 anos.
O Senado é uma instituição importantíssima em um país democrático. O problema é que no Brasil não existe poder legislativo nem poder judiciário. Só existe executivo. Então ficamos assim, sobrevivendo.