Um texto, que vale uma reflexão, da psicanalista Anna Veronica Mautner publicado na Folha de São Paulo do dia 18/06/2009:
Biblioteca e cidadania
[…] FREQUENTAR UMA BIBLIOTECA, APESAR DE TODAS AS VANTAGENS, PARECE QUE ESTÁ CAINDO EM DESUSO
——————————————————————————–Já houve tempos em que a biblioteca exerceu a função de espaço para constituição de cidadania. Lá os jovens se encontravam, trocavam ideias e se informavam, na condição mais igualitária possível. Livro,
revista, jornal, espaço, serviço da bibliotecária, mesa para ler e
escrever e saguão para conversar. Tudo gratuito.
Frequentar uma biblioteca, apesar de todas as vantagens descritas
acima, parece que está caindo em desuso.
Para substituir esse saudável hábito, as livrarias estão tomando ares
de biblioteca. As modernas têm até poltrona e sofá, onde se pode
consultar ou ler um pouco, além de barzinho para tomar café com
bolinho. Tudo tão parecido com as bibliotecas de antigamente!
Sei que a internet preenche uma parte dessas funções, mas nem todas.
Falta o calor do olhar e do som das vozes. A tendência dessas novas
livrarias confirma o prazer de manusear livros, de ler trechos sem
compromisso, mas com conforto, e de trocar ideias ao vivo.
Qual será o problema das bibliotecas que são inauguradas em série
pelos governos, mas parecem não desabrochar? Será que funcionam de forma insatisfatória porque são pouco frequentadas ou são pouco
frequentadas porque funcionam de forma insatisfatória? Não vou
resolver esse dilema.
Certas funções que elas exerciam continuam sendo importantes. Sua
ausência representa falta de espaço público protegido para que possa haver socialização em torno de informações e de ideias.
Era nos saguões e no entorno das bibliotecas que se falava de música, cinema e teatro -difundindo posições e opiniões.
Conversar em volta da estátua do saguão da Biblioteca Municipal de São Paulo era fazer parte de uma geração, de uma turma: era uma identidade. Ali se folheavam revistas, liam-se livros clássicos e modernos e faziam-se anotações para os livros que se sonhava escrever.
Quero frisar que esse jeito tão democrático de encontro possibilitou a várias gerações de jovens oriundos dos quatro pontos da cidade o acesso à cultura e à cidadania. Só custava a condução para chegar até lá.
Os entornos de biblioteca que conheci poderiam hoje se chamar de shopping center de ideias e de bons hábitos culturais. Grande parte dos professores da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), da USP, até hoje se reconhece como integrante da “geração biblioteca”. Nas últimas décadas, comprar livros tornou-se mais comum do que era antigamente. Será que a biblioteca foi ficando com cara de “coisa de pobre”?
E onde fica o novo saguão das bibliotecas? Será que as livrarias como a Cultura, a da Vila ou a Martins Fontes estão conseguindo ocupar esse espaço? Na Antiguidade, existia a praça ou o mercado, onde se trocavam ideias e informações. Onde é a nossa praça? A primeira resposta que aparece é que está na internet. Serão coisas equivalentes? Vai ver são…
A reflexão sobre a diferença entre internet e praça de encontro fica para outra coluna.——————————————————————————–
ANNA VERONICA MAUTNER , psicanalista da Sociedade Brasileira de
Psicanálise de São Paulo, é autora de “Cotidiano nas Entrelinhas” (ed.
Ágora)
4 respostas para “Biblioteca e cidadania”
Texto incrível!
Tiago, dá um jeito de postar a continuação – a Mautner mencionou que haverá outra coluna com a reflexão entre internet e praça de encontro…
Eu li este texto na quinta feira e gostaria muito de ter nascido uma duas geraçoes antes!!!
se tiver quanto gosta o livro sin fronteira vol.02
tem o livro e quanto gosta o livro sin fronteira vol.02