A história é um pouco longa, mas vale a pena.
Poucos meses atrás eu recebi um email, com assunto “ajuda -aluna de design” e que dizia mais ou menos assim:
Boa tarde, Moreno.
Meu nome é Debora e eu sou aluna do 5º semestre de Design na FAU USP. Temos uma matéria chamada Projeto de Produto 5 – Transporte, e tínhamos que propor uma solução para algum transporte movido a força humana, ou seja, não podemos usar motor e etc.
Eu e meu grupo (Aimeê e André), analisando os problemas envolvendo transporte, percebemos que o transporte de livros dentro das bibliotecas é muito ruim. Conversando com os professores, também concordaram que é um problema a ser resolvido.
Após pesquisarmos um pouco (como se trata de um projeto a ser realizado no período de 1 semestre – que é sempre menos que 6 meses – , não pesquisamos o tanto que gostaríamos de ter pesquisado), chegamos à tal conclusão: para ajudar os bibliotecários a realocarem os livros, tando de devolução quantos os de consulta deixados em cima das mesas, vamos implementar no projeto um sistema de cores. Atualmente, na biblioteca da FAU, quando um professor adiciona um livro às referências de alguma matéria, pode contactar a biblioteca para que coloquem um adesivo vermelho na lombada: dessa forma o livro não pode ser retirado para que todos possam ter acesso a ele. Conclusão: o uso de adesivos na lombada é plausível.
Falando com funcionários de diferentes bibliotecas de dentro e fora da USP, vimos que uma das maiores dificuldades reside no fato do código usado ser muito extenso. Além disso, sua localização e o tamanho da fonte não ajudam. Imaginamos algo que fosse mais imediato para que pudéssemos otimizar o tempo de trabalho do bibliotecários: dividir as seções por cor. Com isso, desenvolveremos um sistema inteiro de sinalização nas prateleiras e na biblioteca para que tudo seja mais dedutivo para o usuário e para o funcionário.
Além disso, estamos estudando em como o RFID (rádio frequência) pode nos ajudar. Anteriormente pretendíamos aplicá-lo a quase tudo, mas observamos que estávamos complicando tudo para poder inserir mais tecnologia dentro da biblioteca. O uso que nos pareceu mais relevante foi o de aplicá-lo nas mesas de estudo pelo seguinte motivo: uma parcela dos usuários pegam livros, os lêem na própria biblioteca e os deixam em cima das mesas. Outros usuários que, talvez queiram esses livros, não os acham nas prateleiras e verificam que não foram retirados ou pela internet (algumas faculdades dão esse tipo de informação pelo dedalus) ou pelo bibliotecário. Consultando o bibliotecário ou um posto de auto-atendimento (similar aos caixas de banco 24 horas), o usuário poderia saber quais livros foram deixados nas mesas.
O RFID é uma tecnologia muito barata. Cada etiqueta (ela possui um chip que armazena informações sobre o objeto) custa menos de 10 centavos. Perceba que buscamos um projeto que possa ser aplicado em bibliotecas públicas, ou seja, visamos qualidade a baixo custo.
O grande problema que enfrentamos mesmo é o carrinho. Reformulamos tudo (na verdade isso só está na fase de ideação. Os desenhos ainda estão em desenvolvimento), mas ainda não temos muitas referências de carrinhos. Muitas bibliotecas fazem uso de carrinho de supermercado por ser mais funcional que o carrinho de biblioteca! Esses são muito barulhentos e as alturas das estantes não são ideais. A pega é ruim… enfim, a ergonomia é péssima.
Estamos tentando melhorá-lo, mas a evolução está sendo bem lenta exatamente pela falta de referência.
Esse texto todo foi só para pedir sua ajuda. Achei o blog Bibliotecários Sem Fronteiras. Li algumas coisas e vi uns vídeos. Por isso acho que você e seus colegas podem, talvez, nos ajudar com esse projeto.
Qualquer referência é bem vinda. E podem criticar o projeto. Toda opinião é válida.
É isso. Perdão pela mensagem longa e espero que eu tenha sido clara.
Grata pela atenção,
Debora Motoki
E eu respondi assim:
Oi Debora
subestimei, e pra caralho, o seu email quando o vi a primeira vez, 3-4 dias atrás. Mas agora que decidi ler o texto longo com mais calma, estou embasbacado. Nem tenho como responder à altura.O projeto é excelente, eu nem sei como exatamente poderia te ajudar, mas quero te ajudar de qualquer forma que for possível.
Apenas pra te situar, toda a teoria clássica da biblioteconomia e gestão de acervos e bibliotecas está pautada na noção de recuperação de informação: a informação é abundante, mas as pessoas precisam dela, então os bibliotecários ao longo dos anos desenvolveram técnicas de organização para recuperar/resgatar/encontrar informação de maneira rápida e eficiente, o que nem sempre significa o mais simples. Sobre biblioteconomia e bibliotecários, é somente isso que você precisa saber.
RFID e modelos de recuperação com base na experiência do usuários são aplicados amplamente em bibliotecas de primeiro mundo. Eu não tenho referências específicas, mas basta fazer uma pesquisa simples pra encontrar boas práticas e usar como modelo para o seu protótipo, talvez.
Tem dois projetos que eu acho legais, que você pode consultar:
todo o processo de redesign da Seattle Public Library (eles usam treadmills e aplicaram um sistema integrado de RFID)
Joshua Prince Ramus no TED
Fotos do flickr – sistema de RFID
vídeo no youtube
site oficiale o projeto de redesign da Carnegie Library feito por uma agência chamada Maya
tem os relatórios em ppt no final da páginaEu particularmente tenho focado mais ultimamente no uso do ambiente de bibliotecas tendo como base a experiência do usuário. Estive aí na USP umas semanas atrás falando sobre isso
vamos conversando
beijos
Tempos depois a Debora me mandou o relatório final. Eu achei sensacional, fiquei muito curioso, tinha muitas dúvidas, mandei email de volta:
lindo, quero comprar um, como faço? : )
o que vocês fazem com o projeto daqui pra frente? eu sei que é relatório final e tudo mais, mas qual é a possibilidade real de comercializar isso? Acho que você poderia investir nesse nicho de design para bibliotecas, existem poucas empresas no Brasil lidando com isso e pouquíssimos profissionais com alguma bagagem de design e arquitetura. A agência que tá coordenando a arquitetura das bibliotecas da (censurado) tem contrato na ordem de milhões de reais. E os caras não sacam nada de biblioteca.
Se você conseguir estabelecer algum tipo de serviço, aliando o que tu sabe de design e projeção, junto com alguém que saque bem de ergonomia, usabilidade e acessibilidade relacionadas às bibliotecas, você vai ficar rica.
muito legal, eu vou ler tudo com calma. Posso divulgar depois nos meus blogs?
A Debora respondeu:
…falei com os meus colegas e claro que adoramos o fato de você ter gostado do nosso projeto : D
bom, o que a gente faz com o projeto? nós o inscrevemos num concurso de design… infelizmente, (a maioria dos) nossos trabalhos começa e termina dentro da sala. confesso que adoraria implementar nosso sistema, porque vimos o quão defasado ele é; o que prejudica tanto bibliotecário como usuário.
mas pra isso teríamos que ter todo o tempo do mundo. ou seja, teríamos que sair da faculdade hehehe. pra vc ter uma noção, temos 9 matérias obrigatórias esse semestre! tá beeeem pesado. junta estágio, projetos na marcenaria… e vira uma loucura só.
teríamos que pesquisar mais, formar dados mais concretos… seria sensacional! mas daí precisamos de dinheiro e etc. bom, pode ser um tfg (trabalho de final de curso) com potencial de virar algo real : D no momento é o máximo que podemos fazer… infelizmente.
pode divulgar, sim!
só peço que mande o link : )
Eu subi o relatório completo na ExtraLibris, vocês podem baixar lá.
Mandem mensagens pra Debora, acho que ela vai gostar (@midori_motoki). O trabalho da equipe ficou muito bom.
Eu fiquei com a consciência meio pesada por ter terminado a faculdade e não ter cursado nenhuma disciplina de design, de ter aula na marcenaria, meter a mão na massa. Uma eletiva seria o suficiente, mas quem sabe, naquela história de um currículo ideal, alguma disciplina não pudesse ser incluída oficialmente nos cursos de biblio.
Eu realmente conheço poucas empresas de design lidando com mobiliário e equipamentos para bibliotecas (Cláudia, ainda tá no mercado?), ou melhor ainda, que executam pesquisas sobre o ambiente de bibliotecas antes de desenvolver os produtos.
Bom, quem tiver precisando comprar alguns carrinhos para a biblioteca (ou solicitar algum outro produto), já sabem a quem pedir.
Alguns croquis e imagens do projeto:
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