Uma reflexão sobre a palestra: O papel das bibliotecas na vida digital #2

Achei a palestra do alemão fodona, muita coisa que a gente já tá cansado de saber, especialmente em termos de ferramentas, mas coisas interessantes também, abordagens que eu não conhecia.

O que me chamou atenção foi ele ter resgatado um artigo publicado no Library Journal em 2008, que foi mega citado entre os bibliotecáros na época e apresenta os indicadores de uso da base BISON da Universidade de Buffalo, em comparação com o uso do Google Books. A pesquisa dos bibliotecários de lá mostra que somente a partir do momento em que abraçassem a tecnologia disruptiva do Google, em vez de tratá-lo como competidor, utilizando APIs e convergência para fazer com que os materiais das bibliotecas da universidade fossem plenamente rastreáveis, o número de hits para buscas no catálogo local aumentaria. Graças a possibilidade de integração do catálogo com os APIs do Google Books e do World Cat.

Esta história sintetiza o que pra mim foi mais importante e resume toda a palestra, a idéia de que os serviços da biblioteca precisam se tornar invisíveis e a biblioteca física, visível.

Se por um lado de que adianta investir em catalogação, indexação, digitalização se o resultado desse esforço não é visível aos usuários comuns, dentro das ferramentas que eles usam naturalmente, como o Google, por outro lado bastaria que os serviços de bibliotecas fossem acoplados ao movimento natural dos usuários nas diferentes tecnologias pervasivas (google, iphone, youtube, facebook, twitter, etc) para os serviços se tornarem invisíveis – ao mesmo tempo em que os acervos ganham destaque, sem ter que necessariamente obrigar o usuário a associar o material que precisa à uma biblioteca específica. Todo o processo de consulta aos materiais da biblioteca se dá exatamente aonde os consulentes estão (no google, facebook, mobile, etc), de forma natural, imperceptível, invisível.

Isso é crucial para a nossa realidade, pois no Brasil esse tipo de abordagem JAMAIS vai se tornar realidade. E basta um exemplo para justificar o meu ceticismo: por que não existem catálogos integrados no Brasil? Por que eu não consigo fazer uma pesquisa com base no meu CEP, rastreando o acervo de várias ou todas bibliotecas simultaneamente? Por que o Estante Virtual conseguiu fazer isso em poucos anos e as grandes bibliotecas públicas e universitárias não conseguiram fazer em décadas? (e não precisam me dizer que existem catálogos integrados, que existe CCN, porque eu sou usuário desses sistemas e posso dizer com firmeza que eles são importantes mas não são satisfatórios. E isso sem dizer que não são rastreáveis, o que já de cara entra em conflito com a possibilidade de os serviços se tornarem invisíveis. Não podem se tornam invisíveis enquanto forem obrigatórios)

A razão dessa inviabilidade é política. Grandes bibliotecas não querem dissociar as suas coleções dos seus produtos, porque são esses produtos (catálogos particularmente), insatisfatórios que sejam, que justificam a existência e manutenção do status das pessoas que os conceberam. Então, sob o ponto de vista do usuário comum, ainda que fosse muito mais lógico realizar uma pesquisa global e obter resultados locais, sob o ponto de vista do gestor da biblioteca, essa prática tornaria o seu catálogo invisível e nivelaria a sua biblioteca com todas as outras (e se o pensamento do gestor for de que a sua biblioteca é a melhor, ele não teria que se agrupar com outras que não realizam trabalho qualitativo à altura).

Eu posso estar inteiramente equivocado, mas essa é a única resposta que encontrei para a não existência de um catálogo coletivo nacional nos moldes da Estante Virtual, do WorldCat, do Google Books, Google Scholar. E a única resposta para o fato de as bibliotecas não aderirem ao WorldCat, não liberarem os seus XML para que o Google rastreie as coleções. Se isso fosse implementado, como já foi em vários sistemas (Flickr, LibraryThing) e bibliotecas, eventualmente quando eu for buscar por um título na ferramenta de busca que é natural para mim (Google e não o catálogo da biblioteca, vide artigo sobre o BISON), o material que eu preciso, associado a uma biblioteca próxima da minha residências, apareça na lista de resultados.

Serviços de biblioteca invisíveis no Brasil? Acho que não…

O Klaus explicou que quando o projeto do Google Books a qual eles e outras bibliotecas européias e americanas estão vinculados estiver funcionando plenamente, não haverá identificação do livro em relação a biblioteca em que está depositado. Ou seja, os bibliotecários estão dispostos a abrir mão dos seus acervos assim, em pról do livre e amplo acesso aos materiais, ou vão continuar querendo que as consultas estejam presas aos seus produtos e serviços, justificando e mantendo o seu status de guardiãos dos registros do conhecimento?

Quanto às bibliotecas físicas se tornarem cada vez mais visíveis, ele enalteceu a idéia de ter a arquitetura como um fator de venda. Se o ambiente físico é atraente, as pessoas se sentirão compelidas a interagir. E a biblioteca física precisa ser visível o tanto quanto for necessário para promover o intercâmbio cultural dos cidadãos.

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Concordando ou em contraponto ao post original do Tiago, a minha percepção é de que a mentalidade da pessoas aqui no Brasil, de um modo geral, quando se confrontam com iniciativas e resultados de países desenvolvidos ainda é a síndrome de vira lata e invejinha: “ah, mas o cara tem um orçamento de 40 milhões de euros, fica fácil falar”. Claro, mas a gente poderia oferecer serviços aqui muito melhores sem que o dinheiro fosse empecilho. Apenas a guisa de exemplo, perguntem ao André Garcia do Estante Virtual, quanto que ele gastou para criar um catálogo coletivo entre mais de 1600 sebos, 24 milhões de livros, pra perceber que boas iniciativas independem de orçamentos milhonários. Isso sem falar no papel do Estado (a culpa é sempre do Estado…), como o Tiago corretamente apontou.

Eu fiquei esperando o alemão falar sobre como a biblioteca se torna autosustentável, mas ele falou apenas brevemente sobre captação de recursos alugando o espaço da biblioteca para eventos de grandes empresas e casamentos. O tipo de coisa que no Brasil não funcionaria por causa da burocracia ou porque os bibliotecários iam se preocupar demais com a preservação do acervo (embora eu ia achar sensacional ir em um casamento em uma biblioteca).

Outro ponto no discurso dele que eu não concordei muito é que os bibliotecários prafrentex encaram os nativos digitais como se fossem apenas criancinhas. A minha geração é de nativos digitais e o que eles estão fazendo por mim? Enquanto que aos nativos digitais, millenials, que talvez ainda nem sejam capazes de discernir sobre o tipo de informação que realmente precisam, é oferecida uma gama de produtos e serviços apenas com base em dedução. Isso já foi pauta de discussão no post sobre reconstrução da biblioteca 2.0 e no vídeo da Abbey.

As bibliotecas tendem a assumir que sabem o que eu preciso, mas eu nunca fui perguntado. Isso resulta em fracassos como twitter em bibliotecas, second life, erros que eu mesmo enfrentei enquanto bibliotecário e precisei reavaliar. De qualquer forma o Klaus insistou que os erros ensinam. Então mesmo que a Bayerische Staatsbibliothek no Second Life tenha sido um fracasso total, o investimento realizado é redirecionado para outros tipos de produtos e serviços, como modelagem 3D para realidade aumentada, por exemplo.

A biblioteca é gigante porque é all in one, cumpre todos os serviços de biblioteca na Baviera, é uma fusão de biblioteca pública, universitária e especializada, se considera centro de pesquisa internacional. Tem 773 funcionários, tem curso de formação em bibioteconomia. Antes mesmo do contrato com o Google eles já tinham um parque tecnológico animal, com scanners de prisma para as digitalizações e tudo mais.

Eles tem um grupo usuário alvo (primary target group) e uma abordagem de internet como o único mercado, pois só por meio dela é possível atender esse target group, alunos e pesquisadores em escala mundial.

A visão pessoal dele para o futuro das bibliotecas é sobre conteúdo e serviços mobile. Na Bayerischen Staatsbibliothek eles criaram um Itunes app para o catálogo da biblioteca, ca-ra-le-ou.

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6 respostas para “Uma reflexão sobre a palestra: O papel das bibliotecas na vida digital #2”

  1. Olá, assisti esta palestra no Itaú Cultural em SP e adorei sua análise do que o Klaus falou, concordo com a questão dos serviços invisíveis e a biblioteca física visível.
    Apesar de vc não ter comentado no seu texto, a única coisa que não concordei com a palestra foi a opinião determinista do Klaus quanto ao fim dos livros em papel, os meios coexistem e não dá para fazer previsões tão exatas quanto a isso.
    Foi importante também as preocupações da Biblioteca quanto as mudanças de suportes, sistemas, etc. mostrando a consciência deles qto a preservação digital.

  2. Pode-se dizer que a incorporação do Bibliodata ao IBICT com a intenção de torná-lo público tá dentro dessa politicagem que impede a criação de um catálogo coletivo nacional?

    Tem razão, nem sempre o dinheiro é empecilho para as iniciativas. Com boa vontade e, como diz o Moacyr Scliar, dispensando algumas horas-bunda para fazer o necessário muito pode ser feito.

    Quanto a bibliotecas como espaço para eventos, o Real Gabinete Português de Leitura (RJ) sempre é utilizado como locação de filmes, novelas e comerciais. A administração poderia contar como é feita a cessão do espaço, o pagamento pela locação, etc. Mas acho que é pedir demais.

    Adorei a ideia da fusão de bibliotecas pública, universitária e especializada. Mas acho que no Brasil essa ideia vai custar a ser aceita, igual ao do catálogo coletivo nacional. As bibliotecas vão continuar apegadas ao seu tipo e função e os leitores vão continuar a ir de biblioteca em biblioteca tentando pesquisar e ouvindo coisas como “essa biblioteca é especializada e não atendemos pessoas de fora”.

  3. “Grandes bibliotecas não querem dissociar as suas coleções dos seus produtos, porque são esses produtos (catálogos particularmente), insatisfatórios que sejam, que justificam a existência e manutenção do status das pessoas que os conceberam.”

    Existe um problema cultural na relação trabalho/tecnologia no Brasil. O brasileiro ainda tem o pensamento de boicotar a tecnologia para manter seu emprego e a administração publica (ou mesmo privada) brasileira ainda colabora colocando que é necessário modernizar-se para reduzir custos… até ai tudo bem… o problema é que reduzir custos nos países desenvolvidos significa melhorar a competitividade e aqui demitir pessoal.

    Vislumbrar modernidade neste cenário, somada a questão financeira, acaba se tornando quase impossível.

  4. Também acharia o máximo ir a um casamento na Biblioteca Nacional ou no Real Gabinete Português de Leitura… Mas acho que outras bibliotecas brasileiras dificilmente teriam como recorrer a essa alternativa para levantar recursos, não só pela burocracia e pelo “zelo” com o acervo, mas pela falta de charme mesmo. As bibliotecas da Prefeitura na Zona Sul do Rio são tão feinhas, tadinhas…

  5. Meu Caro Moreno, como estás? Interessantissimo a abordagem dessa questão, como vivo no mundo a parte que infelizmente não me permite a liberdade de participar de muitos eventos, tento me manter informada atravez do site. Achei bem interessante o comentario do Alex da Silveira, quando ele fala sobre a questão cultural, que não é cultura do bibliotecario mas cultura da população e o medo de ser substituido pelas maquinas, acho que precisamos é começar a trabalhar nossos curriculos basico dos cursos de biblioteconomia, para que possamos pensar nessa questão das convergencias tecnologicas e como podemos dominar e atuar com essas tecnologias.
    Fica ai minha contribuição depois de 5anos de estrada.
    ABR.

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