Acredito que é importante continuar a discussão, divulgar as idéias e ampliar as discussões sobre o futuro das Bibliotecas Públicas Municipais (importante diferenciar das Bibliotecas Públicas Estaduais). Então segue o roteiro, um pouco adaptado.
define: “Biblioteca Pública”
É importante iniciar a discussão definindo o que é Biblioteca Pública e nada melhor do que fazer uma busca nas nossas principais referências da área. Inicialmente procuramos pelas motivações de se criar uma BP:
“A biblioteca pública surgiu no começo do séc. XIX, com o movimento liderado por Horace Mann e Henry Barnard, em favor da educação para todos os segmentos da sociedade.” (FONSECA, 2007)
No Brasil, Mário de Andrade inicia uma das principais iniciativas e apresenta seus argumentos para a criação de Bibliotecas Populares:
“A criação de bibliotecas populares me parece uma das atividades mais necessárias para o desenvolvimento da cultura brasileira. Não é que essas bibliotecas venham a resolver qualquer dos dolorosos problemas de nossa cultura, como o analfabetismo, ou o da criação de professores de ensino secundário, por exemplo…, mas a divulgação entre o povo do hábito de ler bem orientado criará uma população urbana mais clara, com vontade própria, menos indiferente à vida nacional. Será talvez esse um passo agigantado para a estabilização de uma entidade racial que se encontra em extremo desprovida de outras forças de unificação” (ANDRADE, 1939)
O Manifesto da UNESCO sobre a Biblioteca Pública em 1972 nos dá nortes:
Biblioteca Pública – Uma instituição democrática de educação, cultura e informação
A Biblioteca Pública é uma demonstração prática da fé da democracia na educação universal considerada como um processo contínuo ao longo de toda a vida e no reconhecimento de que a natureza do homem se realiza no saber e na cultura.
A Biblioteca Pública é o principal meio de proporcionar a todos o livre acesso aos registros dos conhecimentos e das idéias do homem e às expressões de sua imaginação criadora.
A Biblioteca Pública tem a preocupação de reanimar o espírito do homem, proporcionando-lhe livros que divirtam e sejam gratificantes, de assistir o estudante e de ter à disposição dos interessados informações técnicas, científicas e sociológicas atualizadas.
Mas Edson Nery nos mostra que a situação não é boa:
“Traduzida em língua portuguesa, a expressão public library perde toda a sua força, em face das bibliotecas pública mantidas pelos governos estaduais e municipais, vítimas, em sua maior parte, da inoperante burocracia governamental…
No Brasil, o esforço pelo desenvolvimento científico e tecnológico levou os bibliotecários mais capazes para as bibliotecas especializadas, quase todas mantidas por empresas públicas, o que significava, até 1990, altíssimos salários e até mordomias. O que há de errado em tudo isso é o exclusivismo, pois os países mais desenvolvidos continuam apoiando as bibliotecas de categorias, sobretudo as bibliotecas públicas…”
Estruturei a apresentação reunindo o máximo de informações que temos disponíveis sobre a nossa sociedade e sua relação com a leitura e bibliotecas, para que esses dados possam embasar uma futura discussão sobre o futuro das bibliotecas. Os principais dados apresentados foram:
Retratos da Leitura no Brasil – Instituto Pró-Livro
Primeiro Censo Nacional das Bibliotecas Públicas Municipais – MinC / FGV
Pesquisa sobre inclusão digital da Fundação Telefônica / FGV
E acho bacana incluir essa pesquisa também, pois foi apresentada depois da palestra
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2011 – IBGE
Os dados nos trazem um bom embasamento para entender a situação atual das Bibliotecas Públicas Municipais e de consumo de informações em nossa sociedade. E a partir deles podemos discutir o:
Futuro
O Manifesto da UNESCO traz princípios a serem seguidos que ainda não cumprimos totalmente:
A Biblioteca Pública deve ser estabelecida à base de dispositivos legais inequívocos que regulem a prestação de um serviço de biblioteca pública de alcance nacional. É indispensável que as bibliotecas cooperem entre si de forma organizada para que haja plena utilização de todos os recursos nacionais e para que os mesmos possam estar a disposição de qualquer leitor.
Sua manutenção deve ser assegurada totalmente pelos cofres públicos, não se exigindo qualquer remuneração direta pelos serviços prestados.
Precisamos focar em resolver essas questões. Mas é interessante também estudar o que dizem os principais autores da área, iniciando com o texto de Edson Nery da Fonseca: “Um novo conceito de biblioteca e uma nova missão para o bibliotecário” que traz duas idéias principais:
“O conceito que venho propondo é o de biblioteca menos como “coleção de livros e outros documentos, devidamente classificados e catalogados” do que como assembléia de usuários da informação.
Nova missão do bibliotecário = Bibliocêntrica -> Antropobibliocêntrica.
É um texto que recomendo bastante a leitura e que diz bastante sobre uma mudança na concepção de bibliotecas. Uma das afirmações que mais gosto no texto é “Poderia ir além e dizer que o objetivo da biblioteca é menos o leitor do que o não leitor.”
Emir Suaiden (1995), o principal autor sobre o tema da área nos aponta uma solução:
“A solução pressupõe a adoção de técnicas de planejamento bibliotecário e de normas em nível nacional que uniformizem os serviços bibliotecários, a apresentação efetiva de assistência técnica nos diferentes níveis, tendo em vista a reorganização e melhora da atenção em toda a comunidade nacional, a utilização de serviços de extensão bibliotecária objetivando a assistência às populações suburbanas e rurais e como suporte às afirmações anteriores, a criação de uma infra-estrutura de recursos materiais e humanos”
Não é por acaso, mas foi uma surpresa para mim, descobrir a origem do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas:
“Foi proposto ao MEC, no ano de 1976, por um grupo de bibliotecários de Brasília, formado por Antônio Briquet de Lemos, Edson Nery da Fonseca e Emir Suaiden, a implantação de um Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, com o propósito de incrementá-lo com os recursos necessários para a prestação de uma assistência técnica eficaz para as bibliotecas públicas estaduais, a fim de que estas viessem a desempenhar suas funções de cabeça ou centro de Sistemas Estaduais de Bibliotecas”.
Voltamos no passado para ter consciência que o futuro promissor de nossas Bibliotecas Públicas Municipais acontecerá somente se nos estruturarmos Institucionalmente. É muito importante ampliar nossa relação e nosso apoio aos Sistemas Estaduais de Bibliotecas Públicas e o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas.
Outras duas questões importantes que separei foram:
– Biblioteca não é uma unidade orçamentária. (Problema apontado por SUAIDEN, 1995, que eu acredito ser a principal causa de muito de nossos problemas)
– Falta de um Modelo de Biblioteca Pública Municipal que levasse em consideração a realidade apontada pelos dados acima.
Existem muitas outras questões a serem debatidas sobre as Bibliotecas Públicas Municipais. Um primeiro passo necessário para começarmos a discutir nosso futuro é estruturar nossa discussão. Uma das alternativas propostas pelo bibliotecário Felipe Leal os discutir o futuro das bibliotecas portuguesas é a criação de um fórum de discussão e debate sobre o futuro de nossas bibliotecas. Acredito que é uma necessidade aqui no Brasil também, precisamos pensar juntos esse futuro e para isso começar a estimular a participação de todos. Acredito que ferramentas hoje de discussão não faltam, falta a iniciativa de estruturar um fórum e iniciar a discussão. Na palestra, foi proposto formar um grupo para essa discussão e posteriormente formalizar esta grupo em uma entidade da área. Gostaria de saber a opinião (e o interesse) de vocês leitores do blog nesta discussão.
Uma boa notícia foi dada pelo Briquet de Lemos no Facebook, ele planeja publicar uma nova tradução das “Normas para Bibliotecas Públicas” da IFLA. Será uma ótima ferramenta para embasarmos nossa discussão.
E um aviso, estou completando o levantamento bibliográfico sobre bibliotecas públicas no Brasil que está disponível no site do SNBP e em breve compartilho o resultado.
EDIÇÃO 1: Willian Okubo informa que há um grupo de bibliotecários paulistas que está em contato com o CRB-8 tentando criar uma Comissão Temporária de Bibliotecas Públicas.
ATENÇÂO: Esse post será atualizado a partir das discussões que fizermos nos comentários. Idéias e outros pontos de vista são bem vindos.
Referências
FONSECA, Edson Nery da. Introdução à Biblioteconomia. 2ª ed. Brasília: Briquet de Lemos, 2007.
FONSECA. Edson Nery da. Problemas brasileiros de documentação. Brasília: IBICT, 1988. Disponível em: http://livroaberto.ibict.br/handle/1/460
LEAL, Felipe. Que futuro? Para as Bibliotecas Públicas Portuguesas. Estoril: Encontro Nacional RNBP, 2012. Disponível em: http://rcbp.dglb.pt/pt/etc/Documents/13EncontroRNBP_Ap_FilipeLeal.pdf ou se não funcionar, cache.
SUAIDEN, Emir. Biblioteca Pública e Informação à Comunidade. São Paulo: Global, 1995.
SUAIDEN, Emir. A biblioteca pública e a formação e manutenção de um público leitor. In: FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL.Cursos da Casa da
Leitura 2. Rio de Janeiro: FBN, 2009.
2 respostas para “Resumo e adaptação da Palestra: Qual o futuro [papel] das Bibliotecas Públicas Municipais?”
Tiago,
Bom levantamento este seu apresentado na Palestra.
Eu deveria ter ido na palestra, pois poderia ter comentado o fato de haver um grupo de bibliotecários da cidade de São Paulo em contato com o CRB local buscando viabilizar uma Comissão Temporária de Bibliotecas Públicas. Até o momento, há apenas um grupo paulistano de interessados, e imagino que seria ótimo contar com integrantes do interior e grande São Paulo, e claro, sabendo da problemática da distância, alguns colegas dessas outras regiões poderiam ser membros, tendo como ferramenta de troca e busca de informações algum blog ou site criado especificamente para este fim.
Por acaso, eu sou uma das pessoas que tem se reunido para levantar alguns problemas e atividades a serem feitas por um grupo com essa finalidade.
Havendo mais interessados, podemos ampliar o foco, o número de participantes e verificar se o CRB apoia isso ou mesmo, se rolar, a Associação de Bibliotecários paulistas que pode ser criada em reunião no próximo mês no mesmo CRB. Elogios à abertura do CRB inclusive.
Caro Tiago:
Agradeço muitíssimo sua iniciativa de organizar e implementar as palestras e principalmente de documentá-las e divulgá-las em forma de resumo.
Também foi uma surpresa para mim descobrir a origem do SNBP e como pessoas como Nery da Fonseca, Briquet de Lemos e Suaiden perseveram na Biblioteconomia brasileira.
Mais uma vez agradeço.
Lucia Sasaki
Guarulhos