Semana passada dois momentos chamaram minha atenção no facebook para o fato de que pouco se discute a questão da logística dos atraso nos empréstimos e como se manifesta nos colegas de profissão a ética da cobrança de multas.
atualização: cheguei com 5 dias de atraso em uma outra discussão que estava rolando no facebook também sobre multas. devo pagar multa?
Confesso que fiquei surpreso quando li que “uma forma encontrada para chamar a atenção dos associados inadimplentes foi a publicação dos nomes dos ‘caloteiros’ nos murais das bibliotecas“, mas não mais supreendido em saber que outros bibliotecários são a favor de medidas como essa com o pretexto de zelar pelo patrimônio público.
Prefiro não dar pitaco nas políticas de cada biblioteca sobre a cobrança das multas, porque o antagonismo entre a cobrança de multas por parte das bibliotecas representando barreiras de uso especialmente aos usuários mais pobres e a ética do usuário em cumprir com a outra metade na barganha pelo empréstimo de materiais oferecidos gratuitamente já dá conta do problema que é tudo isso. Mas, se me permitem citar Thomas More:
“…se submete seu povo à uma má educação e as boas maneiras são corrompidas na infância, e ainda os pune por aqueles crimes que a educação lhes obrigara a cometer, então o que podemos concluir senão que você cria ladrões para depois puni-los?”
E se eu tivesse que falar mais alguma outra coisa sobre a ética da cobrança de multas, poderia dizer que simpatizo completamente com o relato do Vinicius Miquiles no facebook:
Aquele momento em que vc está atendendo dezenas de crianças que gritam, se batem e tentam subir no balcão da biblioteca. Cenário de guerra. Se tivessem os rostos pintados de azul pareceriam guerreiros de William Wallace. Cada um deles que vai pegar um livro já tem outro em atraso, aí vc tem q decidir em meio às labaredas de fogo e lanças pontiagudas se barra o empréstimo enquanto pede trégua ou libera a suspensão do pequeno usuário priorizando a disseminação informacional. Bibliotecário escolar, nessas horas vc vê que vale cada centavo o seu salário.
O que eu propus ao Vinícius foi o mesmo que a biblioteca de Chicago fez com seus usuários: anistia. Quase todos os estudos sobre leitura dizem que o mau uso de bibliotecas e baixo índice de leitura está relacionado à 1) má experiência com a biblioteca durante a infância e 2) pais que não leem, não incentivam e não servem de modelo de leitores para os filhos. Então no caso particular de uma biblioteca escolar, mais incentivo para liberar a garotada da cobrança de multas.
Não precisa ter lido Freaknomics para entender que as multas em bibliotecas são vistas muito mais como punição por comportamento social inadequado do que um pagamento pela extensão do serviço. São os bibliotecários que decidem arbitrariamente o período que julgam ser conveniente para os usuários completarem suas leituras (mesmos 14 dias de empréstimos para livros de diferentes números de páginas). Nós oficialmente dizemos que a preocupação é com a presença dos materiais nas estantes para o usufruto de outros usuários e que precisamos zelar pelo patrimônio e temos responsabilidade fiscal sobre isso, mas em muitas bibliotecas no Brasil a grana das multas é a principal ou única fonte de renda para a compra de outros materiais ou eventualmente cobrir a festinha dos aniversariantes do mês entre os funcionários.
Então eu gostaria de propor uma outra coisa. Que tal alguns bibliotecários escreverem, formal ou informalmente, sobre o impacto das multas na circulação dos itens como um todo (como medir o índice de livros em atraso que poderiam ser emprestados se já tivessem retornado? esse índice é significativo que justifique o prazo estabelecido para o retorno?) e quão efetivo elas são para melhorar o comportamento “errante” dos usuários (eles se conscientizam por causa das multas? preferem pagá-las por algum tipo de conveniência? pagam por algum tipo de inconveniência?)
Vamos?
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