Todos conhecemos o velho conceito de Liderança e seus estilos ou tipos: a Autocrática, a Democrática e a Liberal. Também já ouvimos falar sobre a Liderança por Influência e ultimamente se fala também em Liderança por Conhecimento, afinal, vivemos na era da informação e do conhecimento.
Há também uma teoria que divide a liderança em seis perfis que podem ser utilizados dependendo da situação: Afetivo, Democrático, Modelador, Treinador, Dirigente e Coercitivo (tabela legal aqui). Uma evolução, afinal, as pessoas e as situações não são sempre as mesmas.
Mas gostaria de abordar uma ideia um pouco diferente de liderança, ela se baseia na leitura de um dos livros do Monteiro Lobato que mais gosto, “A reforma da natureza”.
Neste livro delicioso, tudo começa com o convite dos líderes mundiais em guerra para que a Dona Benta e a Tia Anastácia fossem até a Conferência de Paz de 1945 que está sendo realizada na Europa (cabe lembrar que a obra foi lançada em 1941 e reeditada em 1944, ou seja, anos antes o autor já previa a criação da ONU, pelo menos é o que diz um amigo estudioso da obra Lobatiana). As duas partem acompanhadas do Visconde, Narizinho e Pedrinho, deixando a Emília com um plano maquiavélico de reforma da natureza.
E o “Modelo de liderança da Dona Benta” surge logo nas recomendações dadas pela tia Nástacia, sua colaboradora mais próxima, antes da saída. Vejam:
– Não se ponham a ajudar os pintinhos a sair da casca senão eles morrem – disse ela. – Pinto sabe muito bem se arrumar sozinho. E não esqueçam de molhar as mudinhas de couve lá na horta.
Ouvindo aquelas recomendações tão sensatas, os homens da comissão entreolharam-se, como quem diz:
Com pessoas de tão belo espírito prático, e tão cuidadosas de tudo, a Conferência vai ser um verdadeiro triunfo para a humanidade (e não erraram).
A velha senhora tinha conhecimento de causa, ou como dizem por aí, utilizou-se de seu capital intelectual e experiência para repassar conhecimento a quem permaneceria no Sítio em sua ausência.
Mas com a ida de todos para a Europa, a Emília deitou e rolou, e as reformas foram todas colocadas em prática sem muito planejamento ou nada.
O estilo de liderança da Dona Benta é desafiado por um grande problema e depois de ver toda a desgraça realizada e ouvir reclamações de todos os lados, inclusive das jabuticabas zangadinhas, é preciso resolver um problema, situação que exige sangue frio das lideranças e ela quase sucumbe. Vejam a cena toda:
Dona Benta – disseram elas muito zangadinhas – viemos queixar-nos da peça que a Emília nos pregou. Imagine que nos transferiu dos nossos galhos na mamãe-jabuticabeira para um pé de abóbora – uns talos molengões que andam pelo chão. E ficamos presas ali, encostadas à terra, a nos sujar de pó e ciscos. Ora, isso é um despropósito, porque somos frutas de galho e não do chão, como certos porcalhões que conhecemos.
(A Rãzinha cochichou para a Emília: Isso deve ser indireta para os morangos”.)– Vocês tem razão, jabuticabinhas – disse Dona Benta – e vou repô-las todas no lugar certo. Impossível admitir que umas criaturinhas delicadas como vocês andem pelo chão. Chão é bom só para abóbora.
E voltando-se para Emília:
– Vá já desfazer o que fez! ordenou rispidamente.
Pronto! Caiu por terra o regime democrático. Tanto que a reação e resposta da Emília veio no mesmo tom:
Emília fez beicinho e disse para a Rã:
“Ela era democrática quando saiu daqui. Depois que lidou com os ditadores da Europa, voltou totalitária e cheia de “vás”. Pois eu não vou – e não foi!
Mas voltando à razão, como todo bom líder deve agir, Dona Benta explicou:
Emília, eu reconheço suas boas intenções. Você tudo fez na certeza de estar agindo pelo melhor. Mas não calculou uma porção de inconveniências que podiam acontecer – e estão acontecendo. As laranjas, por exemplo: ótimo se pudessem vir já descascadas – mas se fosse assim tornava-se impossível o comércio das laranjas, o transporte de um ponto para outro. E, além disso, descascadas elas ficam muito mais sujeitas aos ataques das aves e insetos. A casca é uma defesa indispensável. Assim também as abóboras na jabuticabeira. São frutas muito grandes para ficarem em árvores; a Natureza sabe o que faz. Põe as frutas grandes no chão e as pequenas em árvores.
Explicar é fundamental. E para explicar é preciso ter conhecimento acumulado. Mas mesmo assim, há ocasiões em que a equipe tem gente cabeça dura como a Emília, e é preciso paciência e continuar a explicação:
– Isso não! – protestou Emília. – A maior fruta que eu conheço é a jaca, e a jaca é fruta de árvore, ahn!
Dona Benta embatucou.
– Também fiz que as frutas das árvores desses só nos galhos de baixo – continuou Emília, de modo a facilitar a colheita – e quero ver o que a senhora diz a isto.
Dona Benta, teve que rebater:
Dona Benta declarou que essa reforma só era aceitável do ponto de vista humano, mas explicou que as frutas não existiam para que nós as apanhássemos e comêssemos – existiam para o bem da árvore, e apareciam em todos os galhos, tanto os de baixo como os de cima, porque assim ficavam mais bem distribuídas pela árvore inteira, podendo vir em maior quantidade.
– Os galhos de baixo serão só metade dos galhos da árvore toda – disse ela. – Fazendo que as frutas só apareçam nos galhos de baixo, você diminui de metade o número de frutas de uma árvore.
E assim, utilizando de conhecimento e de lógica conseguiu um bom retorno da criaturinha:
Emília concordou que havia errado, e em companhia da Rãzinha foi restabelecer o sistema antigo.
Agora sim – ia dizendo Emília – agora ela deu uma razão boa, clara, que me convenceu e por isso vou desmanchar o que fiz. Mas com aquele “Vá!” do começo, a coisa não ia, não! Vá o Hitler. Vá o Mussolini. Comigo, é ali na batata da convicção, do argumento científico.
E assim, como um perfeito líder como Coach, Dona Benta fez com que a Emília anulasse suas reformas:
… mas nenhuma delas por imposição de Dona Benta. A boa senhora argumentava, provava o erro – e então a própria Emília se encarregava de restabelecer o velho sistema.
Mas nem todas as reformas foram desfeitas, pois a senhora observou que uma das mudanças era bem vinda, e para o deleite da Emília manteve alguns livros comestíveis… Mas com algumas ressalvas:
– Sim, Emília, esta ideia do livro comestível me parece ótima, um verdadeiro achado. Mas não para todos os livros. O bom é que haja livro de papel e ao seu lado o livro comestível. Quem quiser compra um, quem quiser compra outro.
Para comprovar o dito, logo em seguida chega o Pedrinho desesperado dizendo que o porco Rabicó devorou uma edição da Ilíada de Homero e as obras completas de Shakespeare.
Restou à líder considerar e explicar novamente:
Vê, Emília? – disse Dona Benta. – Nem todos os livos devem ser comestíveis, mas só os de importância secundária, meramente recreativos ou então livros ruins. Um livro que não presta para ser lido, ao menos que preste para ser comido. E agora? Como vou passar sem a minha Ilíada e o meu Shakespeare?
Dona Benta, verdadeira líder acompanhou todas a reformas, acompanhando cada passo.
Enfim, eis alguns exemplos que uma obra dita infantil apresenta sobre como liderar equipes complicadas ou em situação de emergência, algo comum em nossa area onde a necessidade da informação, do conhecimento e da análise do contexto são fundamentais para resolução dos problemas.
É interessante notar que em toda a obra infantil do Lobato há muitas outras passagens que pregam a necessidade de uma liderança que demonstre conhecimento, e antes de tudo, capacidade de diálogo, algo que às vezes vejo faltar (inclusive minha quando era líder).
Por último, fica o trecho final da primeira parte do livro, outra boa dica para os que como eu, trabalham no serviço público:
Emília aprendeu a planejar a fundo qualquer mudança nas coisas, por menor que fosse. Viu que isso de reformar às tontas, como fazem certos governos, acaba sempre produzindo mais males do que bens.
Não sou um estudioso de administração, por isso, posso ter cometido alguns deslizes, por isso, aceito sugestões e adoraria ler textos na nossa area abordando de forma criativa e leve a questão.
Fica o desafio!