O mercado editorial tem suas peculiaridades, que o transformam num negócio lucrativo para poucos. Poucos editores, poucos escritores. Mas há formas muito criativas de publicar livros fora do sistema fechado das grandes editoras e com pouco, ou até nenhum, recurso.
De saída, uma editora precisa ter capital suficiente para segurar um possível fracasso de vendas. São muitos os gastos do processo editorial, inúmeras revisões, provas, projetos gráficos de editoração, estudos de capa, plano de marketing, reuniões, impressão, distribuição, eventos de lançamento… E, no processo tradicional, todas essas etapas ocorrem antes de qualquer exemplar ser vendido.
Só isso já limita muito as escolhas das editoras: publicar apenas textos que tenham um bom prognóstico de vendas. E o maior indicador desse prospecto é, via de regra, a fama e aceitação do autor. Há outras variáveis, como o assunto do livro, uma boa campanha publicitária, mas o principal medidor do sucesso são os sucessos pregressos do autor. Isso gera um sistema fechado, onde editoras tem suas “carteiras” de autores, mais ou menos respeitados, que seguram as vendas, com pouco ou nenhum espaço para novos talentos.
Quem publica Paulo Coelho, até pode se arriscar a publicar alguns autores menos conhecidos, com as vendas de um best-seller segurando uma possível jogada errada. Mas, em geral, quem já tentou submeter originais para análise de grandes editoras já está bastante acostumado com as respostas pouco pontuais e evasivas: “no momento não estamos aceitando novos projetos”, ou “o texto não se encaixa em nossa política editorial”, e coisas do gênero. Se o assunto abordado no livro for polêmico então, a rejeição é quase certa.
Mesmo com o desenvolvimento das técnicas gráficas, que barateou o custo para pequenas tiragens, possibilitando inclusive a impressão sob demanda, os critérios de seleção de originais das grandes editoras continuam os mesmos.
Essa rigidez do mercado tradicional de livros estimulou a dinâmica das editoras independentes. Pequenas editoras, em geral sem parque gráfico ou com processos artesanais de impressão, encadernação e acabamento, ganharam terreno publicando textos de autores desconhecidos e de assuntos pouco explorados pelo mercado.
Há uma grande profusão dessas editoras, desde aquelas que publicam o que aparecer, oferecendo serviços e vendendo a possibilidade do autor de primeira viagem ter um livro publicado, para vender ou presentear parentes, amigos e colegas de trabalho, até editoras altamente especializadas em algum nicho, que selecionam publicações com critérios bem definidos.
Para resolver em parte o problema de financiamento dos projetos (mesmo com tiragens pequenas, os custos pré-impressão do livro são os mesmos), muitas editoras independentes recorrem a leis de incentivo cultural, como a lei rouanet, ou participam de editais diversos de fomento cultural, lançados normalmente pelo governo.
Uma das saídas mais criativas e que tem apresentado os melhores resultados é o crowdfunding. Nessa estratégia, a editora (ou o próprio autor) lança uma campanha publicitária, principalmente nas redes sociais, para levantamento de fundos para seus projetos editoriais, algo como uma “compra antecipada”. Quem tiver interesse, “ajuda” o projeto e depois de atingida a meta, começa o processo de publicação. Após a publicação são enviados exemplares e outros prêmios (conforme as cotas de contribuição) para aqueles que contribuíram. É um bom método também para sondar o interesse que o livro desperta nos leitores e para vender outros produtos associados (posteres, botons, camisetas, edições de luxo). Há previsões de que, em breve, essa será uma forma determinante de publicar livros.
Na ponta extrema do mercado editorial, estão as minúsculas editoras artesanais, cujo grande diferencial está no acabamento quase personalizado dos livros, com encadernações feitas à mão, tiragens bem pequenas (50 exemplares é um número grande) e muitas vezes numeradas. O conteúdo geralmente é produzido por escritores locais, geralmente literatura e poesia, e a distribuição pula as livrarias, normalmente sendo feita em contato direto com o leitor, em eventos ou através da internet, utilizando as redes sociais para divulgação.
Ainda mais ao sul do espectro editorial (quase fora dele), encontramos os fanzines (zines, para os íntimos) e as editoras cartoneras (papeleiras). Essas são as formas mais alternativas de publicação. E também são aquelas que mais se encontram abertas para autores, assuntos e expressões que raramente têm espaço em outros processos editoriais.
O custo de produção de um zine é quase nenhum e seu alcance de distribuição é bastante reduzido. Geralmente se limita à região geográfica onde foi produzido. Existem diversas formas de produzir zines, muito facilitadas pelos softwares de editoração, mas a clássica é a colagem de imagens recortadas de revistas ou desenhadas pelos próprios autores, aliadas a textos, geralmente com intenção política, mas também poética, em folhas A4 dobradas ao meio e depois reproduzidas em fotocópias. Em geral têm poucas páginas (de 4, até 20, 30, páginas, quando muito).
Zines foram muito associados ao movimento punk e ao anarquismo, com a ideologia do “faça você mesmo” (do it yourself, ou DIY) e servem para passar um recado rápido, comentar acontecimentos políticos, convocar protestos, indicar bandas de rock, listar cooperativas de consumo solidário, satirizar autoridades e outras questões bem locais. Também são um canal aberto para expressões artísticas pouco convencionais em poesia e artes visuais. Diversos desenhistas e roteiristas de história em quadrinhos, hoje famosos, começaram como zineiros.
A troca de zines sempre foi a principal forma de distribuição e circulação. Muitos zines viajavam entre cidades, estados, países e continentes através dos correios. Atualmente a web e as redes sociais facilitam muito esse intercâmbio, por meio das muitas redes de distribuição de zines. Na cultura dos zines, dinheiro e direitos autorais normalmente não são uma preocupação, então, zines são impressos diretamente por qualquer um, distribuídos de graça ou a preço de custo, tendo como objetivo apenas a disseminação dessa forma de expressão.
Já as editoras cartoneras são editoras artesanais que trabalham com papel reciclado, capas de papelão, e outros materiais coletados do lixo. Em geral elas tem um projeto social e se envolvem diretamente com as comunidades de catadores de papel, desde a compra do papel, até a participação da comunidade na feitura dos livros, com capas pintadas à mão pelas crianças da comunidade e encadernações artesanais costuradas por senhoras idosas em oficinas abertas. Os livros produzidos assim tem baixíssimo custo e alto valor social agregado. Os conteúdos geralmente são de autores locais de poesia e literatura. São livros muito bonitos, feitos de forma rústica, com tiragens muito pequenas.
As editoras cartoneras, que começaram na Argentina há poucos anos, estão se disseminando rapidamente pelo mundo todo, com o objetivo de produzir livros baratos, com os excedentes da sociedade de consumo e incluindo comunidades vulneráveis nos processos de produção e fruição de bens culturais.
Esse foi um panorama bem simplificado do leque de opções editoriais que temos atualmente. Existem outras opções, como a contratação de agentes editorias e profissionais específicos para cada etapa do processo.
Voltarei à esse assunto em breve, com o histórico das editoras cartoneras e suas aspirações e com as possibilidades de empregar uma ou mais dessas modalidades editoriais como ação cultural nas bibliotecas públicas e comunitárias.
6 respostas para “Os caminhos do mercado editorial”
Demais o post!
Trabalho em uma das plataformas de financiamento coletivo (crowdfunding) e foi super interessante essa análise entre os diversos modelos de produção e financiamento para o mercado editorial.
Juntei alguns números sobre o financiamento coletivo e compartilho-os aqui embaixo:
Quadrinhos:
Total de projetos que começaram uma captação 91
Total de projetos em captação (19/03/14): 11
Total de projetos financiados: 62
Taxa de sucesso (projetos que arrecadaram 100% ou mais): 68%
Valor arrecadado por projetos financiados: R$ 1.091.851,00
Literatura:
Total de projetos que começaram uma captação 96
Total de projetos em captação (19/03/14): 11
Total de projetos financiados: 62
Taxa de sucesso (projetos que arrecadaram 100% ou mais): 41% Valor arrecadado por projetos financiados: R$ 369.926,00
Lembrando que o Catarse está operando há 3 anos no Brasil 🙂
Muito bom esse artigo e essa notícia, parabéns pelo site.
O mercado editorial ainda tem muito que aprender, enquanto isso, pessoas simples publicam ebooks na internet e vendem milhares e milhares de livros lucrando também alguns milhares de reais, como é o caso do livro digital – Plano Detox
O mercado, sem dúvidas ainda está em fase de crescimento e com a evolução da tecnologia vai crescer mais ainda, acompanho seus posts, parabéns!
[…] Bibliotecários sem fronteiras, Derbi Casal escreveu dois textos que gostei bastante: um sobre as possibilidades do mercado editorial e outro sobre projetos editoriais em bibliotecas. Textos antigos, mas com questionamentos […]
Eu citei esse artigo num trecho de um texto sobre formas alternativas de publicação no meu TCC sobre produção independente de livros