Inspirada pelos Conselhos a um jovem bibliotecário, do Moreno Barros, resolvi contar tudo o que fiz de errado nesta minha longa carreira de bibliotecária. Ou quase tudo, porque em 35 anos a gente comete tantos erros que acaba esquecendo a metade.
Sinceramente, não sei se teria feito menos bobagens “se soubesse o que sei agora” ou se tivesse dado dois segundos de atenção a bons conselhos. Provavelmente não, porque boa parte dos erros eu cometi deliberadamente, sabendo muito bem no que iriam dar, outros simplesmente não pude evitar porque são parte da minha natureza. Como o escorpião da fábula, aquele que matou a rã que o levava nas costas enquanto atravessava um lago.
E observem que estou tratando aqui de carreira não de princípios éticos nem de convicções políticas, universos completamente diferentes que poucas vezes se encontram.
Dito isso, vamos às principais burradas, mais ou menos por ordem de lembrança.
1. Permaneci numa profissão da qual não gosto. É erro primordial, claro, que não inviabiliza uma carreira, mas também não ajuda em nada. Escolhi o curso de biblioteconomia porque era menina e não sabia que droga fazer da vida, como tantos outros jovens. Não pulei fora quando descobri onde me havia metido porque pobre não pode ter essas frescuras de trocar de faculdade. E por aqui acabam as desculpas, já que todo ser humano adulto deve ser capaz de mudar de profissão em algum momento de sua vidinha besta. Eu poderia ter ido fazer outra coisa, sei lá o quê. O problema é sempre o tal “sei lá”.
2. Descuidei um pouco da formação. Um erro inicial costuma provocar reações em cadeia difíceis de controlar, por exemplo, o aperfeiçoamento profissional pode ser um fardo chato para quem não morre de amores pela biblioteconomia. Não estou dizendo que fiquei parada e bocejando esses anos todos, eu estudei, fiz cursos, acompanhei a literatura da área e até participei, com enorme esforço, de congressos e seminários chatíssimos. Mas, como só me interesso por documentação audiovisual, área um tanto carente no Brasil, deveria ter procurado algo interessante para fazer em outro país. Mas não fui. Tive preguiça, medo, pensava que “essas coisas não são para mim” e, bem, talvez não fossem mesmo.
3. Fui um desastre no marketing pessoal. Numa profissão tão cheia de moças boazinhas, ser uma ursa antissocial e desbocada e nem se dar ao trabalho de disfarçar não é bom negócio. Entretanto, apesar do meu jeito inóspito de ser, sempre fiz questão de dividir conhecimentos e experiências com colegas e estudantes que procuram minha ajuda. Por ter estudado a vida toda em escolas públicas e trabalhar numa universidade pública, entendo isso praticamente como uma obrigação moral. Mas, como expliquei no início, estou tratando aqui de carreira. Embora essa minha postura tenha me rendido grande satisfação pessoal e muitas amizades, para fins carreirísticos teria sido mais útil vender consultoria, porque pouca gente dá valor ao que é de graça. A bibliotecária passou um dia todo com você explicando o trabalho dela? Deve ser uma coitada. A bibliotecária cobra uma grana para fazer uma palestra? Puxa, deve ser fera.
4. Confundi as coisas e deixei que minha decepção com a universidade e com a profissão me paralisasse por muito tempo. Amuada, enfiei a cara no trabalho e não fiz mais nada além de trabalhar no meu canto. Quem perdeu com isso, a USP e a biblioteconomia? Não, quem perdeu fui eu, claro.
5. Participei de greves, horror dos horrores! O movimento dos trabalhadores da USP ajudou a melhorar o nível salarial dos funcionários e contribuiu para deter algumas medidas nocivas à Universidade, mas esses são ganhos coletivos. Para a carreira do indivíduo, lamento informar, ser visto como “grevista” ou “gente ligada ao sindicato” é algo bastante ruim. Numa sociedade autoritária e escravocrata como a nossa, o trabalhador que ousa defender seus direitos é considerado como um bandido. Minto: até os traficantes e líderes de facções criminosas são mais admirados entre nós.
6. Fui otária. Defendi gente de caráter fraco, respeitei gente incompetente, fiz favores sem pensar em cobrança, aceitei cargos e responsabilidades que não queria e pior, que me afastaram de tudo o que me interessava de verdade.
7. Fui dura e cruel em alguns momentos. E não pensem que vou dizer que deveria ter sido mais legal. Meu erro foi não ter sido MAIS dura e MAIS cruel em muitos momentos.
Sete erros, que bonito. Sinto que poderia continuar nesta brincadeira por muito tempo, mas dá pena estragar esse número.
30 respostas para “Confissões de uma bibliotecária errada”
Corajosa!
Obrigado por compartilhar suas experiências!
Agora falta um balanço dos acertos!
Baita postagem, muito obrigado!
Muito bom! Gostei muito deste Marina!
Obrigada pela sinceridade! Num mundo onde a maioria só mostra acertos e felicidade, erros e realidade são bem vindos 😀
Me identifiquei muito. Ainda recém formada, acho que é tempo de mudar.
Sim, Mariana. Quantos mais o tempo passa, mais difícil fica mudar alguma coisa. Mas observe que falei sobre carreira. É possível ser feliz sem fazer carreira, na verdade. São opções que a gente precisa fazer na vida!
Um relato interessante, mas um tanto quanto trágico, ou triste, sei lá.
Passar anos numa profissão que não gosta, fazendo coisas que eu não queria, etc. Tomara que tenha mesmo um post com o que deu certo 🙂
Marina que boa forma de começar a semana lendo esse seu texto. Sou teu fã!
Marina gostei, tenho 30 anos de serviço e me identifico com alguns dos aspectos . SWó que ao contrário de ti eu não gostaria de ser outra coisa senão bibliotecária. Mas que teria mudado de lugar isso sim, que teria experimentado outras coisas, penso que sim. Um abraço!
Então, acho que não dá pra fazer um post tratando dos acertos, porque em temos de CARREIRA, não tive muitos! Mas em termos de TRABALHO, não posso dizer que tenha sido infeliz. Sempre gostei de trabalhar com documentação audiovisual, e foi isso que me manteve na profissão. Acho que fiz coisas legais na área, como o manual de catalogação de filmes que está publicado no site da Biblioteca da ECA. Também adoro atender usuários e me divirto divirto demais fazendo isso. Claro que tive que fazer coisas que não queria, por exemplo, ser chefe de biblioteca por um ano, mas foram alguns episódios isolados. Sei que é difícil entender isso, mas é possível não gostar da profissão mas conseguir encontrar um trabalho na área que dê prazer. O problema disso é que a gente fica com poucas opções de trabalho e prejudica a tal carreira.
Oi, Marina! Apesar deste comentário que é sobre a carreira e tal, fiquei com vontade de saber do que tu consideras acertos. Se rolar, será bem legal. Abraços do sul!
Já que vc insiste, vá lá. Acho que acertei nisso: 1. procurei trabalhar ouvindo mais o usuário do que as regras e normas da profissão. Se não fosse assim, talvez não tivesse dado conta de organizar os acervos audiovisuais da biblioteca onde trabalho; 2. Procurei agir com rigor e seriedade, e isso me ajudou em vários momentos. Por exemplo, embora seja considerada uma “grevista” e uma “rebelde’, todo mundo sabe que eu trabalho direito, cumpro horário de trabalho certinho. colaboro muito com Escola etc. Aí fica mais difícil pegarem no meu pé. 3. Nos últimos anos comecei a quebrar meu isolamento trabalhando nas redes sociais, tanto nos perfis institucionais quanto pessoais, o que me ajudou a corrigir alguns erros do passado. É mais difícil falar dos acertos. Parece auto-elogio, argh…
Parabéns. E a sua colocação de n° 06 foi bem esclarecedora. Fantástica e corajosa.
Sim é muito difícil acertar sempre! Geralmente durante o trabalho, temos que fazer coisas que não gostamos também.
Mas o mais importante é fazer o que gosta e deixar o seu legado. Parabéns pela sua sinceridade.
Onde você quer chegar com essa confissão tão dura e contraditória ?
É apenas um relato pessoal e sincero, Gláucia. Não quero chegar a lugar algum, deixo a vocês as conclusões. Talvez a vida profissional seja algo infinitamente mais duro do que nos dizem habitualmente. Talvez eu seja apenas uma velha louca, não ligue pra mim!
Ver os seus erros me ajuda a refletir os meus e, apesar de amar muito a área e ser feliz, errei em confiar e ajudar muito alguém que tentou me prejudicar e em seguida me difamou muito, a ponto de eu encurralar no canto da biblioteca e vomitar todo o mal que ela me fez. E pior, ser pior no que podia ser melhor porque estava debaixo dos seus auspícios sem me rebelar.
Enfim, o tempo não volta e depois da libertação me encontrei, foi bom, mas deixei de dar meu melhor por um tempo.
Corajosa pelo sincero depoimento!
Márcia, a gente topa com muitos tiranos na vida profissional. Muitos são colegas de profissão, infelizmente. Rebelar-se é preciso, que bom que você conseguiu!
me identifiquei com algumas das tuas confissões, parabéns e obrigada pelo texto.
Por ter errado muito nessa vida em busca de um método realmente milagroso , ele obteve com esses anos de pesquisas e provando-as na prática http://www.vencendoacalviciedicas.com.br/2016/08/06/vencendo-a-calvicie/
Parabéns pelo post, gostei muito! Nos inspira a pensar sobre a nossa carreira e corrigir rotas. 🙂
Marina, realmente fiquei chocada ao saber que você não gosta da profissão,achei até engraçado kkkk. E achei engraçado simplesmente porque te acho fera, uma grande profissional, assim como outras pessoas também pensam o mesmo. E para nós, é difícil pensar num ótimo profissional que não ame sua profissão, porque sempre nos ensinaram que, se você ama alguma coisa, fatalmente será feliz e as coisas fatalmente darão certo. Mas você provou que as coisas não são tão simples assim. E sim, você realmente é muito solícita para ajudar as pessoas, principalmente os alunos que te procuram. Sou aluna da ECA e também sua fã! Obrigada pelo relato sincero. É importante irmos para uma profissão deixando de lado as idealizações.
Obrigada, Yara, fico feliz com suas palavras. O que ocorre é que, embora não goste da profissão, gosto do meu trabalho aqui na ECA e gosto de atender e ajudar as pessoas. Tento não deixar que meu descontentamento com a profissão e minhas frustrações interfiram na minha relação com os usuários e colegas. Isso é importante. Conheço vários bibliotecários que não morrem de amores pela profissão mas são bons profissionais. Afinal, somos pagos para trabalhar!
Olá Marina, obrigada pelo seu depoimento. Foi muito gratificante ler as “verdades” por detrás da profissão porque muitos professores desenham em nossa mente( sou recém formada) um mar de rosas e não é tudo isso. Eu escolhi a biblioteconomia porque era fácil de passar ( UFG) após 2 anos de faculdade ainda não havia me apaixonado pela profissão, continuei levando o curso pois assim como você relatou, sou pobre e não tinha como me dar o luxo de trancar a faculdade e/ou tentar mudar de curso( mas acho que deveria ter feito) no final da faculdade me interessei pela biblioteconomia e práticas bibliotecárias mais voltadas ao ambiente digital escrevi meu tcc sobre o tema ” Competências Profissionais Bibliotecário 2.0″ apesar de ter ficado muito bom confesso que me desanimei com a nota obtida( sei que não deveria me importar tanto com nota), gostaria de continuar na biblioteconomia mas dentro dessa área mas infelizmente não a mercado aqui no BR e ir para fora do país no momento não tenho condições financeiras( e me falta o inglês). Confesso que sou uma recém formada frustada sem saber o que fazer da minha vida. Grata muito grata estou pelo seu depoimento( não estou sozinha).
Olá, Ruth! Tente não desanimar. É só uma profissão, vc não precisa amar uma profissão, basta exercê-la com seriedade. De fato, como estamos num momento econômico (e político) muito ruim, parece que conseguir trabalho não está fácil para ninguém. Tomara que as coisas melhorem logo. Se você conseguir um trabalho mais ou menos interessante, num local onde trabalhar não seja um sofrimento, vai dar tudo certo. Veja meu caso, embora não gostando da profissão, gosto muito de atender usuários e de trabalhar com audiovisuais.
Caramba me identifiquei demais com você! No momento eu estou me corrigindo. Excepcional conteúdo!
Pra mim, por exemplo, errar é tão importante quanto acertar. Porque o erro, se bem trabalhado, se torna acerto numa próxima oportunidade
Verdade!
as vezes eu achei que era eu no texto, opa, as vezes não, o texto inteiro….