Se antes era difícil conseguir um Kindle (pedir pros amigos que viajam pra Miami pra não ter que pagar as absurdas taxas de importação), isso hoje já não é problema.
O Kobo touch (que eu acho até mais bonitinho que o Kindle) está saindo a R$299 na Livraria Cultura, enquanto que o Kindle 4 sai por R$209 na Amazon.com.br. Perfeitamente acessível para os brasileiros, do Oiapoque ao Chuí. Tem gente da classe sofrida que gasta isso de cerveja ou assistindo futebol no estádio, em um único final de semana. A tendência é que os preços dos aparatos caiam ainda mais. Além disso, qualquer tablet ou smartphone minimamente decente hoje pode rodar um aplicativo do Kindle ou ler arquivos textuais com facilidade.
Mas comprar ebooks no Brasil ainda é uma grande bosta porque os catálogos das livrarias continuam ruins. O aparato tecnológico de leitura não é problema. Os títulos oferecidos sim.
Minha tese é que, a entrada da Amazon.com.br dificilmente vai resolver em curto prazo o problema dos catálogos de ebooks em português, mas vai ajudar na transição da leitura em papel para o digital.
Gosto muito disso aqui
País com praia abundante, violência urbana epidêmica e fraco hábito de leitura ñ é bom para e-books
— Marcelo Rubens Paiva (@marcelorubens) July 11, 2012
mas seria muito ingênuo achar que os ebooks não vão dar certo no Brasil por um desapego cultural. A gente tá lidando aqui com Amazon (Kindle), Apple (iPad), Google (Android) e afins, que tem mais dinheiro em caixa do que já foi investido em políticas de leitura e biblioteca em toda a história do Brasil. Se a gente enquanto nação não fez a nossa parte, tenho certeza que eles enquanto empresas farão o que lhes é necessário.
Outros factóides ultra relevantes sobre a entrada da Amazon no Brasil estão resumidos nesse post: A Amazon vai comprar a maior rede de livrarias do Brasil?
A DLD (Distribuidora de Livros Digitais) é um consórcio de sete grandes editoras brasileiras que controla ao redor de 35% da lista de best-sellers no país. Elas sempre negociam em conjunto e estão fazendo assim com a Amazon. E são, de longe, o maior desafio para os executivos de Seattle, já que estas editoras estão agressivamente exigindo condições comerciais favoráveis e o controle final sobre os preços. Limitar os agressivos descontos da Amazon são uma condição sine qua non para este grupo de sete empresas.
Nem precisa chocar. É a real. Muita grana no lance.
Sempre pego bibliotecários enaltecendo o fetiche com os livros em papel e defendendo com unhas e dentes seu status quo. Óbvio que os livros impressos e bibliotecas não irão acabar. Mas o fetiche com os livros nas estantes físicas vai diminuir “na medida em que” a indústria editorial forçar a barra para que todos leiam livros digitais daqui pra frente. Porque para eles o custo de produção de digitais é infinitamente menor do que impresso. Além disso, criam plataformas de consumo que obrigam os produtos vendidos estarem associados com os aparatos que eles desenvolvem e os formatos de distribuição que estabalecem como norma. A indústria da informação atual (Amazon, Apple, Google, em especial) ganha dinheiro de uma das três formas, ou das três formas juntas: revenda do conteúdo, venda do aparato de consumo do conteúdo e licenciamento de como o conteúdo é codificado. Expliquei isso um pouco, três anos atrás, nos slides abaixo
Minha experiência de leitura no Kindle é pessoal, mas vamos ao que interessa: se a dificuldade é o conteúdo, como eu resolvo meu problema?
Ler na tela do computador é cada vez mais difícil, não porque os olhos cansam, mas porque o volume de informações é muito grande e o tempo é curto. Eu criei o hábito de salvar para leitura posterior todos os textos que encontrava navegando na internet, porque sabia que era impossível dedicar o tempo de leitura no exato momento em que me deparava com eles.
Inicialmente eu usava o delicious para guardar todos os links de coisas que eu iria ler depois, um tag que até hoje eu alimento com a insignia de “leituras“. Eventualmente, eu imprimia, em papel, os textos completos de todos os artigos que encontrava na internet, para leitura dedicada, longe do computador e da hiperconectividade do browser. Cogitei por diversas vezes confeccionar um anuário impresso que compilaria todas as leituras de um ano – que iria ler posteriormente, claro. Mas nunca realizei.
De uns tempos pra cá surgiram aplicações na web que gerenciam essas listas de leitura, para fins de interoperabilidade entre sistemas e aparelhos, mandando para o smartphone/tablet ou Kindle o corpo do texto dos artigos salvos no browser do computador. Os melhores exemplos desse modelo são o Instapaper e o Pocket, antigo Read it later.
Essas aplicações evoluiram para um modelo de curadoria, onde textos disponíveis livremente em sites e blogs são seleciondos por uma equipe de humanos ou robôs e centralizados em uma página que pode enviar os artigos individuais diretamente para smartphone/tablet ou Kindle. Os melhores exemplos desse modelo são o Longform e o The Feature.
A fase mais recente dessa evolução foi a criação de aplicações com a preocupação direta com o design e a experiência de leitura nos aparatos tecnológicos. O melhor exemplo sendo o Readability, que converte para smartphone/tablet ou Kindle os textos salvos no browser para leitura posterior, com diagração minimalista e interface prazerosa.
Então, desde que eu comprei o Kindle 4, venho usando o Readability como extensão do Chrome em meu browser. Sempre que eu deparo com algum texto que julgo interessante e que valha a leitura, mas comumente não posso fazê-lo naquele exato momento, envio o texto direto para o meu Kindle. Daí, nos meus dias de folga, leituras antes do sono ou intermináveis viagens no transporte coletivo, lá está o Kindle com uma lista de artigos prontos para leitura.
Essa estratégia na verdade é o resultado de um mapeamento extenso de fontes de informações que servem de base para o meu consumo pessoal. Já comentei em um post anterior (Clipping, versão 2012) sobre algumas das ferramentas que utilizo como curadoria, desde que o Google Reader se tornou incapaz de me trazer com facilidade as novidades e coisas que circulam na web e que eu não posso deixar de saber. As publicações que uso como referência e curadoria de leitura parecem ter se tornado uma tendência de publicação online (Trend alert: small internet publications).
O Readability preenche meu Kindle com dezenas de textos provenientes de portais de notícias, blogs, sites de revistas, etc. O que não quer dizer que eu não use meu Kindle para leitura de livros. Mas ao que consta, eu nunca comprei um livro sequer na Amazon.
Primeiro porque existem ótimos livros sendo distribuídos livremente, sob creative commons (lista de livros em CC) ou licenças abertas, além dos que estão sob domínio público. Alguns exemplos da nossa área: Para entender a Ciência da Informação, Para entender a Internet, Introdução às fontes de informação. Outros, em inglês: The Wealth of Networks, The pirates dilemma, Cryptoparty Handbook.
Segundo porque a maior parte dos livros com grande distribuição são fáceis de achar em sites piratas. Eu uso sempre o piratebay ou o warez ou avax para busca de livros que estou interessado. Não preciso entrar aqui na questão ética, moral e cívica dos livros piratas, mas que os livros piratas existem e estão aí é noção elementar de qualquer nativo web, e distantes poucos cliques, tornam o ato de leitura muito mais prolífero.
Não sei se vocês acompanharam as discussões em torno do blog “Livros de Humanas” (aqui, aqui e aqui), mas até hoje o torrent está lá, cheio de seeds e com mais de 12GB de livros de diversas áreas das Humanidades. Excelentes livros que, desconsiderando o processo como foram convertigos em digitais, deixam no chinelo o catálogo de ebooks comercializado no Brasil. Tá faltando às editoras uma proposta comercial de distribuição de ebooks, não apenas focada em bestsellers. A não ser que eles pensem que todos que possuem um leitor de ebooks sejam exclusivamente consumidores de bestsellers.
Juntando os artigos provenientes da internet via Readability, os livros baixados gratuitamente e os livros piratas, tenho um acervo no meu Kindle suficiente para me oferecer centenas de horas de leitura. E com o potencial de crescer cada vez mais.
Eu ainda continuo lendo livros em papel e pegando livros emprestados em bibliotecas. Mas como o volume de leitura ofertada é sempre crescente, o Kindle acabará vencendo pela velocidade de resposta com que lida com o acervo total de textos que compõem minha biblioteca pessoal.
Esse sou eu e um Kindle 2, em 2009
Esse é o Kindle 4 (com um texto sobre o Edson Nery exportado da Piauí via Readability)
Todos que avaliaram a versão nova do Kindle, Paperwhite, falam que é a coisa mais incrível e próxima do livro que já viram. Escolhi o Kindle 4 por conta do preço (paguei 69 dólares) e porque prefiro a versão com botões mais do que a versão touch (tenha a sensação de que a usabilidade é melhor e é mais durável). Essa é a versão que a Amazon.com.br está lançando no Brasil, então saibam de antemão que é a versão mais furreca. A versão mais nova do Kindle é o Paperwhite touch 3G. Estou satisfeitíssimo com a minha versão atual, cabe no bolso da calça, carrego a bateria uma vez por semana se necessário, tem wifi e browser experimental. E ainda serve pra ler Walkind Dead versão quadrinhos 🙂
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Aliás, agora que aportou em Terra Brasilis, por que Amazon é chamada Amazon mesmo? É uma referência direta ao nosso rio, sugerindo que a livraria online seria tão grande quanto. Também porque nos primórdios o Google ainda não existia e o Yahoo listava seus resultados em ordem alfabética. Logo, quando as pessoas pesquisavam os diretórios, o endereço da livraria aparecia no topo dos resultados. Sem falar também que Jeff Bezos malandramente trocou o nome original da empresa, Cadabra, por Amazon, ao perceber que as pessoas confundiam cadabra com cadaver.
Eu sempre chamo Amazon de “A” Amazon, em vez de “O” Amazon. E vocês?
Já viram um depósito da Amazon? Tipo assim, maior.biblioteca.do.mundo. Quase.
Amazon vende livros. Vende muitas outras coisas também, tipo esse lindo lança chamas portátil que eu comprei de natal pra usar nas próximas greves das universidades federais.
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