*o título alternativo não muito SEO-friendly para este post poderia ser “em busca de um modelo de divulgação da biblioteconomia”.
Semana passado eu fiquei acompanhando no twitter os hashtags da conferência Internet Librarian (#il2009): uma sequência de coisas interessantes, outras nada interessantes, muitas replicações (RTs) descompromissadas, mas no geral, um bom volume de compartilhamento de informação entre os bibliotecários, e especialmente bom para aqueles que não estavam participando fisicamente do evento, bibliotecários ou não.
Eu também havia perguntado no início da semana no twitter se não havia um hashtag para o Enancib, que é o encontro nacional de pesquisa em ciência da informação. Bom, não havia hashtag, mas mesmo assim eu tentei acompanhar os poucos tweets que foram publicados e que mencionavam o evento de alguma forma.
Ok, então percebam a grande diferença entre uma conferência qualquer nos EUA (e lá existem essas conferências aos montes, ao longo do ano inteiro) e uma conferência anual considerada a mais importante no Brasil entre os “pesquisadores de informação”. No primeiro caso, existe um interesse intrínseco em se compartilhar informação, em promover a discussão em tempo real em uma esfera que extrapole a conferência física. Um bônus para aqueles que não podem atender ao evento, e eu por exemplo, que estou em outro país, em outro fuso-horário. E o segundo caso, onde não há qualquer notícias sobre o que acontece dentro da conferência (ou conclave). Conferência de pesquisadores de informação, diga-se de passagem, ênfase em informação, com tema central “responsabilidade social da ciência da informação”.
O gancho que eu fiz entre o Internet Librarian e o Enancib foi somente em função dos dois eventos estarem ocorrendo simultaneamente, na mesma semana. Claro que fica difícil comparar uma classe profissional com uma classe científica. Mas eu poderia ter dito exatamente a mesma coisa, comparando qualquer evento, de qualquer área, ou apenas para facilitar a compreensão, o Intercon 2009 e o Enancib 2009, ou o evento anual da ALA e o CBBD, por exemplo, que surtiria o mesmo efeito.
Poderia se discutir a questão do contexto, bla bla bla, mas vejam, estou falando simplesmente que acompanhei novidades pelo twitter e elas fizeram enorme diferença. Seria perfeitamente possível utilizar o mesmo mecanismo (ou qualquer outro que fosse) para divulgar o que se passa em uma conferência desse tipo aqui no Brasil. Não haveria nenhum empecilho.
É um diferencial na postura de “lamento por aqueles que não estão presentes” para algo do tipo “que pena que você não pôde estar conosco, mas em tempos de conectividade, de web em tempo-real, de conteúdo multimídia, de ausência de barreiras geográficas, aqui estão algumas das coisas que você está perdendo por não estar presente fisicamente. E sinta-se a vontade a colaborar, mesmo estando longe. Nós oferecemos a plataforma que permite esse tipo de interação”. No segundo caso, você de pronto não perde praticamente nada. No primeiro caso, resta torcer para que após o evento tenha acesso aos anais, vídeos, comentários, etc.
Peguem exemplos de grandes eventos e conferências ou conferências de nicho ao redor do mundo, e percebam como a circulação de idéias atinge um patamar muito maior simplesmente espalhando o conteúdo da conferência em diversas esferas que não exclusivamente o espaço físico onde está sendo realizado o evento (livestream, youtube, hashtags, blog, etc).
O que eu tô advogando aqui é muito pouco, apenas que se utilizem os mecanismos que estão aí, livres, leves e soltos para serem utilizados para este propósito, de enaltecer o que essas instituições e pessoas tem de melhor.
O engraçado é que algo que deveria ser tão natural e simples, em muitos casos, evidencia o que a gente tem de pior, tanto em termos de instituições como pessoas.
Acho que é falta de percepção mesmo, de interesse, de modelo.
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Durante o Internet Librarian, foi lançada a nova versão do vídeo Library 101, (a primeira versão foi o Hi-Fi Sci-Fi Library) que é um projeto colaborativo dos bibliotecários Michael Porter e David Lee King. E mais um exemplo de como utilizando as ferramentas disponíveis na web você pode realizar um projeto em escala global, com o mínimo de planejamento e organização.
O vídeo apresenta mais de 500 profissionais bibliotecários do mundo inteiro e pode ser visto no site oficial ou no youtube.
Acho que eu sou o único bibliotecário brasileiro que fez parte do projeto : ) 1′:19”
Outros bibliotecários e personalidades foram convidados para escrever os ensaios da Library 101, articulando o que eles vêem se transformando nas bibliotecas e o que nós precisamos fazer para assegurar que continuaremos relevantes conforme a tecnologia e a sociedade evoluem – os ensaios incluem texto do Obama.
Pra quem não sabe exatamente do que se trata, o título do projeto implica que existe um conjunto fundamental de habilidades e conhecimentos que todos os bibliotecários deveriam ter, e esse projeto é baseado na definição/redefinição desse conjunto.
Eu li um post muito bom sobre o vídeo, e achei melhor traduzir as partes principais porque elas refletem muito bem esse embate entre os bibliotecários que estão dispostos a fazer qualquer coisa para causar algum tipo de mudança ou impacto no ethos da profissão e aqueles que estão bem como estão, por suas próprias razões.
O vídeo certamente reflete a paixão e criatividade de Michael e David (que são bem conhecidos na biblioblogosfera) e certamente é tosco (eu até acho alegre demais, digamos assim), reforçando inclusive alguns estereótipos negativos sobre os bibliotecários serem um pouco disfuncionais nas suas tentativas de serem “moderninhos”, mas ainda assim conseguiu bastante visibilidade sendo inclusive mencionado pelo BoingBoing, que é um dos maiores blogs do mundo.
A letra da música basicamente é uma indicação de que a sociedade mudou, e que os papéis que as bibliotecas exercem na sociedade também mudaram e consequentemente nós precisamos reescrever a nossa “library 101” – isto é, nosso conjunto básico de habilidades, para incorporar elementos como marketing online, desenvolvimento web, etc, de forma a manter a nossa profissão relevante, caso contrário ela será extinta.
O vídeo fica um pouco chatinho depois dos primeiros minutos, é verdade… Mas além dele, temos o que podemos considerar como a parte mais importante do projeto, que é a lista dos 101 recursos ou coisas que você precisa saber. É uma lista interessante.
Pois bem, se essas são as 101 coisas que todos os bibliotecários deveriam saber, porque então elas não estão sendo ensinadas nas escolas que nos qualificam como bibliotecários?
E em termos de desenvolvimento profissional continuado, porque a mensagem está vindo de dois profissionais individuais e não das nossas associações profissionais?
Além disso, se as nossas associações profissionais anunciassem que todos os profissionais teriam um ano para atualizar suas habilidades com o conjunto da “library 101”, ou seus registros profissionais seriam cancelados, então teríamos uma debandada – seja pela incapacidade de adaptação ou por protesto.
E ainda que o mote da “library 101” represente o conjunto básico para pessoas como David e Michael, o fato é que a maioria dos bibliotecários, se são bons no que fazem, já possuem o seu próprio “library 101”. Sim, o conjunto básico sempre se modifica, e nós mudamos junto com ele. Entretanto, nossa profissão é tão diversificada que é injusto que um bibliotecário julgue outros bibliotecários trabalhando em diferentes setores do universo das bibliotecas. Um bibliotecário que é expert em livros ilustrados e psicologia de desenvolvimento infantil não precisa necessariamente saber coisas como usabilidade web, e isso não o torna deficiente no conjunto das habilidades exigidas para executar bem a profissão.
Então, com todo respeito ao David e Michael por sua paixão e desejo de exibir liderança na área, eu gostaria de sugerir um “library 101” alternativo. Um que não tem nada a ver com listas de 23 coisas, ou 101 coisas, ou quantos diplomas universitários você possui. É sobre se preocupar com o que você faz em seu trabalho como bibliotecário, e fazer com competência; exercitando as melhores práticas. Essas melhores práticas irão variar, dependendo do contexto do seu trabalho, e irão se modificar com o tempo.
De todo modo, expanda o seu conhecimento para incluir habilidades valiosas, como desenvolvimento web ou marketing, ou criar apresentações em power point incríveis, ou organizando exercícios em equipe, ou aprender sobre a última tecnologia do google que a maioria das pessoas ainda não conhece. Mas eu digo, até mesmo as habilidade de atendimento ao público somente são fundamentais para aqueles bibliotecários que trabalham no serviço de referência. E existem muitos que não trabalham com referência. Se você possui essas habilidades, você têm um algo a mais. Mas não julgue outros bibliotecários se eles não as possuem – especialmente se eles não necessitam delas para realizar bem seu trabalho. Sinta-se a vontade para compartilhar essas habilidades, mas permita que os bibliotecários se reservem ao direito de rejeitá-las e em vez disso focarem em habilidades tradicionais que os seus tipos de trabalho exigem.
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Outra coisa legal que eu vi no Internet Librarian – eles tem uma série de atividades paralelas, e uma das mais legal, que é um exercício que eu já tinha visto no SXSW, e eles copiaram, que é BattleDecks: criam uma comissão para criar slides de power point desconexos, com imagens e textos completamente aleatórios e nada a ver, e as pessoas se voluntariam pra ir lá na frente e fazer uma apresentação, com base nesses slides, que vão sendo trocados a cada 5 segundos. Daí quem conseguir fazer a melhor apresentação, ganha um prêmio.
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